Morfologia
Tesourinhas, também
conhecidas como tesoura, bicha-cadela, rapelho e earwigs
(nome comum em inglês), são insetos facilmente
reconhecidos por apresentarem seis pernas e estruturas
rígidas na extremidade posterior do corpo que
se assemelham a pinças. Estas são utilizadas
na busca de alimento (predação), na limpeza
do corpo, na corte (reprodução), na acomodação
física de outras estruturas (dobrar asas posteriores
sob as anteriores) e na defesa. Essas pinças
variam no tamanho e na forma, sendo geralmente maiores
nos machos, com os ramos mais longos, recurvados e fortemente
denteados, enquanto nas fêmeas os ramos são
mais curtos, paralelos ou retos, e inertes. As pinças
dos machos de algumas espécies podem-se mostrar
bastante variáveis no tamanho e na forma, o que
constitui um polimorfismo sexual (diferenças
físicas encontradas numa mesma espécie
entre indivíduos de sexos diferentes).
Em geral são de pequeno porte, com comprimento
variando entre as espécies de 4 a pouco mais
de 40 mm. As menores espécies são Labia
minor, com 4-6 mm de comprimento (EUA, México,
Canadá e Índia) e Doru lineare
(EUA, Austrália e Brasil), com 7,5-11 mm de
comprimento. Pygidicrana v-nigrum é
uma espécie neotropical com quase 40 mm de
comprimento, ocorrendo no Brasil, do Rio Grande do
Norte a Santa Catarina.
O corpo é alongado, afilado ou alargado para
a parte posterior. É quase sempre de tegumento
esclerosado (endurecido por substâncias não
quitinosas) e brilhante, de cor parda mais ou menos
escura, apresentando, em algumas espécies,
partes amarelas ou, mais raramente, de outras cores.
Cabeça prognata livre (com os apêndices
bucais direcionados para frente), larga ou arredondada.
As antenas são em forma de Y, geralmente longas
e filiformes (formato semelhante a um fio). Os olhos
são compostos, variando de grandes a ausentes,
sem ocelos. Muitas espécies são ápteras
(sem asas) ou, se aladas, as asas anteriores são
pequenas, pergamináceas (finas, opacas e flexíveis,
com textura semelhante a folhas de pergaminho) e lisas,
formando tégminas sem nervação,
enquanto as asas posteriores são grandes, membranosas
(delicada), semicirculares e dominadas por um leque
anal de nervuras radiais conectadas por nervuras transversais.
Algumas poucas espécies possuem glândulas
abdominais que liberam odor desagradável quando
o indivíduo é perturbado, como um mecanismo
de defesa. Apesar de possuírem asas, poucas
espécies voam eficazmente e, dentre essas,
algumas somente quando o indivíduo é
jovem.
Classificação biológica
Taxonomicamente a tesourinha é pertencente
à ordem Dermaptera, contendo mais de 2000 espécies,
das quais aproximadamente 200 encontram-se na região
neotropical. Algumas espécies transportadas
de um país para outro são atualmente
cosmopolita (ocupam praticamente todas as áreas).
A subordem da tesourinha está dividida em três
partes: Arixeniina, Forficulina
e Hemimerina.
Arixeniina
Nessa subordem, as tesourinhas são caracterizadas
pela ausência de asas, olhos vestigiais, pinças
arqueadas e pilosas (porém não duras
como nos demais dermápteros) e viviparidade.
São encontradas em grande número sobre
solos e em paredes de caverna.
Forficulina
É o grupo mais conhecido e é subdividido
em seis famílias: Pygidicranidae, Anisolabididae,
Labiidae, Labiduridae, Chalisoridae e Forficulidae.
As espécies de tesoura mais conhecidas são
as pertencentes à família Forficulidae,
dos gêneros Doru spp. e Forficulita
spp. A família Anisolabididae é
considerada a mais primitiva da ordem, sendo registrados
até o momento dez fósseis do período
Jurássico.
Hemimerina
Nesta subordem os insetos são relativamente
pequenos, medindo de 8,5 a 15 mm, ápteros,
vivíparos e ectoparasitas de ratos do gênero
Cricetomys. As espécies conhecidas
são distribuídas ao longo do continente
africano, desde a região equatorial até
a África do Sul. A caracterização
dessa subordem dá-se pela ausência dos
olhos, pinças mais alongadas e antenas bem
desenvolvidas, enquanto que as pernas, embora curtas
e robustas, são adaptadas para se locomover
rapidamente por entre os pêlos dos hospedeiros.
O corpo é amplo, achatado e com pêlos
curtos.
Reprodução
Nos dermápteros a reprodução
é sexuada, com espécies ovíparas
ou vivíparas. Uma característica do
comportamento reprodutivo é o de corte por
parte do macho (representado pelas vibrações
das antenas), que antecede a cópula. Há
também, por parte das fêmeas, o cuidado
parental no início da vida de sua prole, ou
melhor, a partir da oviposição até
a ocorrência das primeiras mudas dos jovens.
Percebe-se que a fêmea lambe os ovos, removendo
possíveis patógenos, como fungos. Também
auxilia na eclosão dos ovos, facilitando a
saída das ninfas, e cuidam de sua ninhada até
o segundo ou terceiro instar (fase de desenvolvimento)
do período ninfal. Após esse período
há a ocorrência de canibalismo, pois
provavelmente a progenitora não reconhece mais
a sua própria prole.
Durante a cópula, o macho recua o corpo e
procura levantar, com as pinças fechadas, o
abdome da fêmea, de modo a aproximar os orifícios
genitais. Quando estes ficam em contato, os dois indivíduos
se dispõem em linha reta, ou formam um ângulo
obtuso ou agudo, facilitando a passagem dos espermatozóides.
O local e o período de oviposição
variam de acordo com o ambiente e o clima no qual
estão inseridos, ocorrendo, geralmente, sobre
o solo ou em fendas sombreadas e úmidas. Uma
característica presente em todas as espécies
é a forma de oviposição em clusters,
isto é, os ovos ficam em grumos (agrupados).
Em países de clima tropical a reprodução
pode ocorrer durante o ano todo e, em localidades
de clima temperado, ocorre somente durante o verão.
Ciclo de Vida
O ciclo de vida varia conforme a espécie e
as condições nas quais estão
inseridas. A Doru luteipes, por exemplo,
possui um ciclo médio de 210 dias, com 7,5
dias de incubação e 34 dias de período
ninfal. Quando ninfa, o indivíduo passa por
quatro ínstares para se tornar adulto, isto
é, para estar sexualmente apto à reprodução.
A fêmea de D. luteipes ovipõe
os grumos sem forma definida no cartucho do milho,
cuidando deles e das pequenas ninfas brancas/acinzentadas
durante o início do desenvolvimento. Em cada
cluster há, em média, 27 ovos
e estes são, geralmente, de forma ovalada e
de cor amarelo-claro. A eclosão dos ovos não
ocorre ao mesmo tempo e as fêmeas podem ovipositar
mais de uma vez. Para tal, não há necessidade
da ocorrência de cópula com o mesmo ou
outro parceiro.
O desenvolvimento dos Dermaptera se processa por
paurometabolia (processo no qual a forma jovem, denominada
de ninfa, assemelha-se a forma adulta, mas apresenta
o aparelho reprodutor imaturo).
No fim do ciclo evolutivo, o animal apresenta tecas
alares (asas pequenas) bem desenvolvidas, as quais
se transformam em asas verdadeiras com a última
ecdise (muda) e, dessa forma, o indivíduo é
considerado adulto. O ciclo evolutivo completo, nos
países de clima frio, é de praticamente
um ano. Atualmente, há poucos estudos conclusivos
nas regiões neotropicais, portanto pouco se
sabe a respeito do ciclo de vida das espécies
presentes nesses ambientes.
Alimentação
O hábito alimentar dos dermápteros
é muito variado, contudo a maioria é
considerada detritívora onívora, isto
é, alimenta-se de detritos vegetais e animais
do ambiente no qual está inserida. As tesourinhas
também podem alimentar-se de grãos de
pólen da planta a qual está associada
e de polpas de frutas já abertas em decomposição,
de forma a complementar sua dieta natural. Por essa
razão, as tesourinhas possuem um importante
papel ecológico, contribuindo para a reciclagem
da matéria orgânica.
Algumas espécies, como as da família
Forficulidae, são predadoras de pequenos artrópodos
(insetos, crustáceos e quelicerados são
os mais freqüentes). Essas espécies são
consideradas eficientes inimigos naturais de pragas
devido a sua elevada capacidade predatória,
tanto nos estágios ninfais/jovens quanto na
fase adulta de suas presas. Dessa família,
as espécies que mais se destacam são
as do gênero Doru spp. e a Labidura
spp. Ambas são apontadas como importantes
inimigos naturais contra pragas de diversas culturas,
pois são predadores de ovos e larvas de vários
insetos (afídeos/pulgões e lepidópteros/lagartas
em sua grande maioria). Como exemplos, citam-se a
Doru lineare e a D. luteipes, que
possuem um alto potencial de uso como agentes de controle
biológico devido à sua ação
predatória sobre a Spodoptera frugiperda
(lagarta-de-cartucho), dentre outras pragas, na cultura
de milho. Estudos laboratoriais comprovam que a tesourinha
possui uma maior eficiência na regulação
das populações dessa praga, diminuindo
os prejuízos na agricultura sem o uso de defensivos
tóxicos ao meio ambiente.
Outras poucas espécies podem se alimentar
de algumas partes de plantas em desenvolvimento como
botões florais, folhas e frutos. Este é
o caso da Forficula auricularia, descrito
e comentado no tópico “Tesourinha no
controle biológico”.
Predação
As tesourinhas são predadas por muitos pássaros
e, na Europa, por algumas espécies de morcegos.
Elas também podem ser hospedeiras de larvas
de alguns dípteros parasitas (família
Tachinidae é endoparasita de Dermaptera, por
exemplo) e de vermes de Nematoda e Cestoda.
Algumas delas podem ser comensais ou ectoparasitas
de morcegos no sudeste asiático, como é
o caso da subordem Arixeniina. Outras, da subordem
Hemimerina, são semiparasitas de roedores africanos.
As tesourinhas desses dois grupos são cegas,
ápteras e exibem viviparidade pseudoplacentária.
Tesourinhas no controle biológico
O controle biológico consiste em uma forma
alternativa de controle populacional de espécies
consideradas “pragas”. Estas, por sua
vez, definem-se como espécies que podem causar
sérios danos econômicos e/ou sociais
ao homem.
Essa metodologia alternativa tem como princípio
o respeito ao equilíbrio da dinâmica
ecológica do ambiente, que é facilmente
prejudicado com o uso de inseticidas. Isto ocorre,
pois favorece o aparecimento de populações
cada vez mais resistentes a este e a outros tóxicos
utilizados subseqüentemente. A consideração
com a natureza preconizada por tal atitude ocorre
devido à utilização da relação
predador-presa como o agente controlador da praga.
Essa ação, inclusive, evita a poluição
do meio, garantindo um produto de qualidade e alto
valor agregado no mercado.
Como praga, os dermápteros não possuem
importância econômica significante. Entretanto,
em grande densidade populacional, espécies
como a Forficulita auricularia podem invadir
casas e causar prejuízos nas culturas de vegetais
ao alimentarem-se dos botões florais, dos frutos
e das folhas. Mas muitas espécies, devido a
seu hábito alimentar predatório, possuem
alto potencial como agentes do controle biológico
de pragas de várias culturas, uma vez que já
é assim considerado no meio natural.
Os agentes de controle biológico podem pertencer
às famílias Forficulidae, Labiidae,
Labiduridae e Pygidigranidae, pois nelas há
espécies predadoras. Labidura riparia
e D. luteipes, principalmente, são
as mais estudadas quanto à exploração
deste potencial. A D. luteipes alimenta-se
de ovos e lagartas jovens desde que é ninfa
e a L. riparia possui hábito de um
bom predador, pois mata mais que consume.
A D. luteipes pode ser encontrada em muitos
tipos de culturas de grande importância econômica,
dentre as quais se encontram: cana de açúcar,
algodão, trigo, milho, sorgo e soja, predando
várias espécies de lepidópteras
(classificação biológica a qual
se inclui as borboletas) consideradas pragas em diferentes
fases de desenvolvimento e diferentes localizações
na planta. Já a L. riparia é
encontrada em cana de açúcar e algodão.
Alguns exemplos de Lepidoptera predadas por elas
são: S. frugiperda, Schizaphis
graminum, Icerya purchasi, Diatraea
saccharalis e Helicoverpa zea.