“Todas as
espécies de triatomíneos são vetores
potenciais do Trypanosoma cruzi, mas apenas
em alguns poucos casos, todas as condições
necessárias são preenchidas para transformar
uma espécie potencial em um real e efetivo transmissor
da doença de Chagas humana”,
essas condições são: adaptação
à habitação humana, alto grau de
antropofilia, curto espaço de tempo entre hematofagia
e defecação e larga distribuição
geográfica dos agentes.
Os gêneros
Panstrongylus, Triatoma e Rhodnius
possuem importância epidemiológica, pois
são os vetores do agente etiológico, Trypanosoma
cruzi, que causa a doença de Chagas,
também conhecida como Tripanossomíase
americana ou Esquizotripanose.
O Trypanosoma cruzi é um protozoário
da família Trypanosomatidae. Neste parasita
obrigatório constatam-se as seguintes características:
presença de flagelos e de cinetoplasto (mitocôndria
especializada rica em DNA), além da alternância
de formas celulares no seu ciclo (adaptação
fisiológica ao ambiente específico).
Este ciclo é classificado como heteroxênico,
pois o parasita passa por uma fase de multiplicação
intracelular no hospedeiro vertebrado (homem e mamíferos)
e extracelular no inseto vetor (triatomíneos).
As formas principais encontradas durante seu ciclo
de vida são: epimastigota (forma alongada com
cinetoplasto justanuclear), tripomastigota (forma
alongada com cinetoplasto posterior ao núcleo)
e amastigota (forma oval ou arredondada com cinetoplasto
curto).
Nos hospedeiros invertebrados o ciclo começa
com a ingestão dos tripomastigotas. Após
isto, o tripomastigota passa para a forma esferomastigota
(forma arredondada com o flagelo circundando o corpo)
no estômago. Este, então, passa para
a forma epimastigota no intestino, onde se multiplica
por divisão binária. Finalmente no reto
se transformam em tripomastigotas metacíclicos
que são eliminados pelas fezes.
As fezes dos triatomíneos contaminadas com
os tripomastigostas entram em contato com o vertebrado,
permitindo a penetração do protozoário
pela lesão da picada. Desta maneira, eles invadem
os leucócitos e macrófagos, células
de defesa, onde se trasformam em amastigotas que sofrem
multiplicação. Depois dessa etapa, ocorre
a liberação dos tripomastigotas no sangue.
A doença de Chagas, também,
é considerada um dos problemas mais importantes
de saúde na América Latina, com cerca
de 9 a 14 milhões de indivíduos chagásicos,
60 milhões vivendo em risco e cerca de 20.000
caso/ano em 18 países da América do
Sul e Central. No Brasil, é uma endemia que
atinge aproximadamente oito milhões de habitantes,
sendo uma das principais causas de morte súbita
que pode ocorrer na fase reprodutiva de um indivíduo.
A doença de Chagas possui
vários mecanismos de transmissão:
a) Pelo vetor: penetração das formas
presentes na urina/ fezes na lesão ocasionada
pela picada do “barbeiro” (maior importância
epidemiológica).
b) Transfusão sangüínea: 2º
mecanismo em grau de importância epidemiológica.
c) Transmissão Congênita: mais de 100
casos descritos no Brasil e no Chile; ocorre quando
há ninhos de amastigotas na placenta que liberam
tripomastigotas para a circulação do
feto.
d) Acidentes de laboratório: ocorre quando
há acidentes com pesquisadores e técnicos
que trabalham com o parasita; podem acontecer contaminações
através da pele lesada, mucosa oral, auto-inoculação,
entre outras maneiras.
e) Transmissão oral: pela amamentação;
canibalismo entre animais; pessoas ingerindo
alimentos contaminados com fezes ou urina de triatomíneos
infectados (caldo-de-cana
e açaí)-penetração pela
mucosa da boca íntegra ou lesada.
f) Transplante de tecidos contaminados por amastigotas.
Comumente se atribui o nome de barbeiro ao triatomíneo
transmissor da doença de Chagas
ao homem, ao fato do inseto picar principalmente a
face por ser a mesma mais acessível, em virtude
de permanecer descoberta durante o sono. A associação
de face com barba teria dado origem à denominação
de barbeiro. Esta explicação, no entanto,
não parece correta. O próprio Carlos
Chagas que a mencionara em seu primeiro artigo escrito
em alemão, em 1909, descartou-a no trabalho
seguinte, escrito em português em 1910, e concluiu
que o nome de barbeiro estaria relacionado com a função
deste profissional de praticar sangrias e aplicar
sanguessugas no passado.
Na história da medicina brasileira dos tempos
coloniais, o profissional barbeiro, além de
cortar o cabelo e a barba, era um profissional da
medicina, cabendo-lhe, entre outros misteres, praticar
a sangria, então usada como panacéia
para todas as doenças. Em numerosas vilas e
povoados, o barbeiro foi, por muito tempo, o único
profissional da medicina existente, conforme registra
o historiador Lycurgo Santos Filho. A literatura médica
realça a espoliação de sangue
como um dos aspectos mais importantes na transmissão
vetorial da doença de Chagas.
O inseto, ao sugar o sangue de sua vítima,
imita o profissional barbeiro quando este realiza
uma sangria e não quando corta a barba de seus
clientes. Embora aceita pela maioria das instituições
oficiais de saúde, os autores discordam da
interpretação de atribuir o nome de
barbeiro dado ao inseto por ele picar mais vezes a
face e defendem a que foi dada por Chagas em seu trabalho
de 1910, segundo a qual o nome procede da prática
da sangria por aquele profissional no passado.
A doença de Chagas é
caracterizada por três fases de acordo com os
sintomas apresentados ou não pelo doente:
1) Fase aguda (pode ser sintomática ou assintomática):
se manifesta quando o T. cruzi penetra na
conjuntiva (sinal de Romanã) ou na pele (chagoma
de inoculação). O sinal de Romanã
é caracterizado por edema bipalpebral unilateral,
congestão conjuntival, linfadenite-satélite,
com linfonodos pré-auriculares, submandibulares
e outros aumentados de volume, palpáveis, celulite
do tecido gorduroso periorbitário e palpebral
e presença de parasitas intra e extracelulares
em abundância. Outras manifestações
gerais são: febre, edema localizado e generalizado,
poliadenia, hepatomegalia, esplenomeglia e, às
vezes, insuficiência cardíaca e perturbações
neurológicas.
2) Fase crônica (assintomática): as
lesões são muito discretas e podem permanecer
assim por vários anos.
3) Fase crônica (sintomática): a sintomatologia
está relacionada com as 3 formas:
-Cardíaca: ocorre em 20 a 40% dos pacientes
do centro-oeste e do sudeste. Os sintomas apresentados
pelos pacientes são: insuficiência cardíaca
devido a diminuição da massa muscular
por fibrose, edema e cardiomegalia;
-Digestiva: atinge de 7 a 11% dos casos. Os doentes
apresentam falta de coordenação motora,
megaesôfago e megacólon e, ainda, sintomas
como dor, regurgitação, soluço,
tosse, dificuldade e dor para engolir;
– Nervosa: há alterações psicológicas,
perda de memória (perda de neurônios).
A evolução da cardiopatia crônica
é variável, dependendo principalmente
da atividade da infecção. A sobrevida
é geralmente longa; entretanto, a maioria dos
doentes morre antes dos 50 anos de idade. O prognóstico
depende principalmente do grau de aumento do coração
e da redução de sua capacidade funcional,
do tipo de arritmia presente e do potencial evolutivo
da infecção crônica. A morte súbita
é muito comum nesta cardiopatia; a maioria
dos doentes, porém, morre de insuficiência
cardíaca.
Não se dispõe ainda de medicamento
eficaz para o tratamento etiológico da doença
de Chagas. No tratamento da insuficiência
cardíaca da cardiopatia crônica da doença
de Chagas obtêm-se frequentemente melhores
resultados com a estrofantina ou a ouabaina.
Um método eficaz para a detecção
do T. cruzi em pessoas e animais infectados
é o xenodiagnóstico. Este método
introduzido por Brumpt em 1914 é largamente
empregado ainda nos dias atuais no diagnóstico
da doença de Chagas. A multiplicação
do T. cruzi no trato digestivo do triatomíneo
permite sua detecção nas fezes ou na
urina dos insetos alimentados com sangue do paciente
ou de animais suspeitos após um período
1 a 3 meses. Sua utilização, entretanto,
pode ocasionar reações alérgicas
decorrentes da saliva dos triatomíneos levando
à rejeição do exame pelo paciente,
com certa frequência.
A doença de Chagas sempre
existiu em ambiente silvestre nos animais classificados
como vetores intermediários. Com a destruição
do ambiente natural a doença “migrou”
para os centros urbanos e rurais, e, assim, para o
ser humano.
De modo geral, pode-se afirmar que animais silvestres
naturalmente infectados não demonstram sinais
e sintomas de infecção, dando a impressão
de que esses tipos de tripanosomas não são
patogênicos. Isto se deve devido ao exame desses
animais na fase crônica, na qual foram observados
sintomas discretos ou inexistentes, lesões
de difícil observação. É
o que se depreendeu, por exemplo, dos resultados das
investigações de tripanosomas de gambás.
Há diferentes espécies de tripanosomas
que parasitam diversos animais. Um exemplo é
o Trypanosoma rangeli, parasita hemoflagelado,
que infecta diversas espécies de hemípteros
hematófagos e mamíferos, inclusive o
homem. Este protozoário não é
considerado patogênico para hospedeiros vertebrados
que são infectados pelo vetor (“barbeiro”),
principalmente por triatomíneos do gênero
Rhodnius. No homem e em reservatórios
domésticos ou silvestres, a parasitemia é
baixa e de curta duração, existindo
controvérsias relacionadas com sua reprodução.
Nos hospedeiros invertebrados naturais invade o hemocele
e multiplica-se na hemolinfa, nos hemócitos
e, posteriormente, nas glândulas salivares,
podendo lesar o intestino, os túbulos de Malpighi,
cutícula, traquéia, glândulas
salivares e sistema nervoso.
Em quirópteros (morcegos), o “barbeiro”
Cavernícola pilosa parasitado pelo
tripanosoma é um dos responsáveis pela
transmissão da esquisotripanose (doença
de Chagas) nesses animais.